sexta-feira, 16 de julho de 2010

A maioridade do ECA



Por Antonio Carlos Gomes da Costa
“Quem, na segunda metade dos anos cinqüenta, acreditaria que, no início do século XXI, o Brasil já seria um país autosuficiente em petróleo, podendo mesmo a chegar a ser membro da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo)? Por outro lado, quem imaginaria que do ITA (Instituto Técnico da Aeronáutica) nasceria a EMBRAER, única empresa aeroespacial do hemisfério sul?  O cerrado brasileiro foi durante muitos séculos considerados área imprópria para agricultura.  Hoje, graças a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Produção Agrícola) esta parte do Brasil seria um dos mais promissores celeiros do agronegócio mundial? Continuando, poderíamos nos perguntar ainda: há poucas décadas atrás quem acreditaria que, a partir do INCOR (Instituto do Coração de São Paulo) nosso país passaria a contar com uma das melhores cardiologias do planeta?
Poderíamos citar inúmeros exemplos nessa linha. Em muitos aspectos, o Brasil já chegou ao primeiro mundo. Em outros, porém, estamos ainda muito longe de atingir este patamar. Três são as nossas grandes tarefas neste início de século e de milênio:
1º Consolidar a estabilidade econômica, a estabilidade financeira conquistada nos anos 90 e assegurar o crescimento econômico em bases sustentáveis;
2º Erradicar as desigualdades sociais intoleráveis, elevando os níveis de desenvolvimento humano e diminuindo a iniqüidade entre pessoas e regiões na vastidão do nosso território;
3º Elevar dramaticamente os níveis de respeito aos Direitos Humanos e de participação democrática da população, assegurando o combate à corrupção e à sua impunidade e provendo a elevação dos níveis de transparência na condução dos negócios públicos.
Estas transformações são processos amplos, profundos, laboriosos e complexos. São maratonas. Não são corridas de 100 metros rasos. A cultura brasileira revela certa tendência ao pensamento mágico. A nossa medida de tempo preferida se expressa na palavra JÁ.  Queríamos diretas já, reforma agrária já, redistribuição de renda já, reforma administrativa já, reforma política já, reforma tributária já, restauração do meio ambiente já e assim por diante. Hoje já estamos mais amadurecidos e sabemos que as grandes transformações não acontecem da noite para o dia. São necessários anos e anos de esforços contínuos do Estado, do mundo empresarial e das organizações da sociedade civil organizada, além da indispensável sensibilização, conscientização e mobilização da opinião pública.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069 de 13/07/1990) inscreve-se na complexa e emaranhada agenda da implantação plena dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, pois os direitos humanos são indivisíveis. O registro de nascimento é uma das garantias dos direitos civis da criança, o direito à organização estudantil e ao voto aos 16 anos são exemplos de direitos políticos da população juvenil, os direitos à educação, à saúde, ao lazer e à profissionalização são concretizações do acesso amplo às conquistas sociais, o consumo consciente e adequado é uma manifestação do direito econômico, o direito ao acesso aos bens culturais expressa as possibilidades de inclusão nas manifestações da criação individual e coletiva da humanidade, o direito à preservação do meio ambiente expressa o compromisso com a qualidade de vida das gerações futuras.
Finda a sua menoridade, o Estatuto da Criança e do Adolescente trilhou uma série de caminhos e descaminhos em seu processo de implantação. Neste momento, o que de mais honesto podemos fazer é procurar, dentro de nossa limitada percepção, a distinção entre uns e outros. Vamos, pois, procurar elencá-los:
1º A composição do grupo de redação do Estatuto deveria ter incluído também pessoas do mundo escolar, da segurança pública e da imprensa, pois estes setores não revelaram uma percepção inicial adequada do ECA.  O núcleo inicial era bom, porém, incompleto;
2º Não se colocou no texto do Estatuto nenhum dispositivo obrigando seu ensino nas faculdades responsáveis pela formação básica dos profissionais de nível superior que atuam na sua implementação.  Esse esforço tem sido realizado de maneira pontual e assistemática;
3º O texto da nova lei não dedicou um capítulo à formação continuada dos recursos humanos, que deveriam ser requalificados para a sua efetiva implantação;
4º Um caminho promissor foi o da municipalização da política de atendimento.  Hoje, os municípios investem mais em crianças e adolescentes violados ou ameaçados de violação de seus direitos do que os estados e a União Federal;
5º O esforço de mobilização desenvolvido após a vigência da lei enfatizou aspectos operacionais, deixando em segundo plano as questões relativas ao compromisso ético, à vontade política e a competência técnica requeridos para tirar a lei do papel;
6º Certos vácuos legais, como a Lei da Execução das Medidas Sócioeducativas, ainda não foram devidamente implantados devido a disputas estéreis entre correntes antagônicas de operadores do direito;
7º O reordenamento institucional em conteúdo, método e gestão não se processou de forma adequada.  Grande parte das antigas FEBEM(s) limitou-se a uma mudança apenas de nome;
8º Milhares de conselhos municipais e tutelares foram implantados.  Alguns apenas no papel, para cumprir formalidades legais.  Outros existem, mas não dispõem de meios e recursos para funcionar.  Uma parte deles se deixa controlar inteiramente pelo executivo e pelo judiciário, funcionando como funcionários públicos ou comissários de menores.  Uma parte, porém, (ainda minoritária) consegue funcionar plenamente;
9º A falta de capacitação de conselheiros municipais e tutelares é um desafio ainda a ser enfrentado de forma mais articulada e conseqüente, assim como a adoção de mecanismos mais adequados para sua seleção;
10º As relações entre a União, os estados e os municípios e também aquelas estabelecidas entre polícia, justiça, ministério público e defensoria pública ainda requerem maior entrosamento.  Cada uma dessas instâncias é rainha e prisioneira de seu pequeno território. A integração conceitual e operacional ainda não é uma realidade.
Assim como o Brasil já chegou ao primeiro mundo em vários campos de atividade, como vimos no primeiro parágrafo deste artigo deverá também um dia fazê-lo no campo da promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. Isso depende, entretanto, do que cada um de nós souber e puder fazer nos dias de hoje. ”
Mais informações:  Rede Andi Brasil
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